A cena musical brasileira jamais seria a mesma se não houvesse Clube da Esquina…
Um dos movimentos mais importantes e originais da história da nossa música, que surgiu despretensiosamente da amizade e da parceria entre Lô Borges e Bituca, Milton Nascimento. Inspirados pela Geração Beat, pela Contracultura, pelo movimento Hippie e pelo Existencialismo, jovens do mundo inteiro mudavam profundamente suas filosofias e comportamentos, entre os anos 1960 e 1980. Isso não foi diferente com essa dupla de amigos mineiros, que foi agregando muitos outros nomes ao longo de seu caminho, até se tornar um verdadeiro clube. Nas linhas a seguir um pouco da história de Lô e de como surgiu o Clube da Esquina…
Nascimento
Em dez de janeiro de 1952, no bairro de Santa Tereza em Belo Horizonte, nascia Salomão Borges Filho, o sexto de uma família de onze irmãos. Curiosamente Lô, exatamente o filho do meio, recebeu o mesmo nome de seu pai, uma exceção à regra da família, onde todos os homens ganharam nomes começados com a inicial M, como sua mãe, Maria, a dona Maricota, e todas as mulheres com a inicial S, como seu pai, Salomão.
Infância em Santa Tereza e Formação
Lô, apelido que ganhou na infância, foi criado dentro de um universo musical permeado por diversas influências. Por ter uma família grande e já muito ligada à música, sua casa, tanto em Santa Tereza como no Edifício Levy, no centro da cidade, era o epicentro de todo esse movimento, naturalmente, quando o menino Lô ainda nem imaginava que se tornaria músico um dia. Seu pai era jornalista e adorava música, e seus irmãos, Marilton Borges e Márcio Borges, ao início, já começavam a se aventurar pela música, esboçavam suas primeiras composições. Ouviam muita coisa e reuniam em casa amigos, familiares e agregados em ensaios, encontros e festas, tendo sempre a música como mote. Das músicas ouvidas no rádio, como de Dalva de Oliveira, Ângela Maria e Carlos Gonzaga, cantadas em dueto por seu pai e sua mãe, à Bossa Nova, que foi de extrema importância na sua formação, até chegar ao limiar, ao divisor de águas daquele seu momento, quando conheceu The Beatles, uma de suas referências mais profundas. João Gilberto, Tom Jobim, Dorival Caymmi, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes, Roberto Carlos, Jovem Guarda e os festivais da canção são nomes que também povoaram significativamente sua trajetória.
Edifício Levy
Aos dez anos Lô foi morar com sua família no Edifício Levy, no centro da cidade. Foi lá que conheceu Bituca, Milton Nascimento, em um mágico encontro casual na escadaria do prédio, onde Lô ia descendo e ouvindo alguém tocando violão e cantando entre falsetes com aquela voz magnífica. Foi lá também que conheceu Beto Guedes. Inusitadamente fizeram amizade conversando sobre um patinete que Beto trazia com ele e que Lô se apaixonou. Ele acabou por convencer Beto a trocá-lo com ele por uma coleção de moedas. Lô jamais imaginaria que esses dois garotos seriam seus maiores parceiros, durante toda a sua história. No Levy conheceu também muitas outras pessoas que fariam parte do seu mundo musical, como Wagner Tiso e Naná Vasconcelos, entre tantos outros.
The Beavers
Absorvido por toda essa atmosfera Lô começou a se interessar em tocar violão, influenciado primeiramente pela Bossa Nova. Logo depois, já apaixonado por Beatles, formou uma banda, The Beavers, com Beto Guedes, o irmão Yé Borges e o amigo Márcio Aquino. Tocavam músicas da banda preferida, e rapidamente ficaram conhecidos e começaram a fazer sucesso, tocando em bares e clubes da cidade.
A Esquina do Clube
Seis anos depois a família Borges voltou a morar em Santa Tereza. Sob o pano de fundo da ditadura militar vivida pelo país na época, e de um cenário mundial de grandes transformações, políticas, ideológicas, filosóficas e comportamentais, um grupo de jovens se encontrava em uma pacata esquina do bairro, no cruzamento das ruas Divinópolis e Paraisópolis, tendo como vista a Serra do Curral. Lô, seus amigos, irmãos e pessoas do bairro se reuniam ali para conversar, trocar ideias, jogar futebol, fazer festa, tocar, cantar, rir… fugir à solidão… Coisas comuns a jovens de qualquer parte do mundo. Dalí, de uma brincadeira, quando um rapaz de família abastada conhecido passou e perguntou se eles não iam à uma festa no clube local, e por não terem dinheiro para frequentar as festas e eventos do tal clube, responderam que o clube deles era ali mesmo, naquela esquina, o Clube da Esquina. O nome pegou, logo todos começaram a chamá-los assim, o Clube da Esquina. Os irmãos de Lô, Marilton Borges, Márcio Borges, Telo Borges, Nico Borges, Yé Borges, e os amigos Ronaldo Bastos, Fernando Brant, entre muitos outros eram frequentadores assíduos do Clube da Esquina.
Primeiras Composições
Lô começou a compor, timidamente. Esboçava suas primeiras músicas, mas não mostrava nada para ninguém, nem mesmo para seus irmãos. Foi Bituca quem teve a sensibilidade de perceber isso e pediu para que Lô mostrasse a ele o que estava fazendo. Milton pode então compreender a grandeza do talento e da capacidade de seu amigo. E foi seu maior incentivador, desde The Beavers, passando por seus primeiros passos como compositor. Lô compôs Equatorial, junto com Beto Guedes e Márcio Borges, logo depois Para Lennon e McCartney, essas foram algumas de suas primeiras composições.
Lô participou de um festival, o FEC, Festival Estudantil da Canção. Uma experiência que foi histórica para ele e para sua formação. Lô entrou com duas músicas, Clube da Esquina e Equatorial. Era algo novo para ele, diferente das coisas que já tinha feito. Desse festival também participaram amigos, novos e antigos, e parceiros como Naná Vasconcelos, Joyce, Tavinho Moura, Toninho Horta, Beth Carvalho, Eduardo Conde, Flávio Venturini. O festival terminou com uma grande e animada festa na casa de Lô, reunindo quase todos os participantes.
Clube da Esquina
Milton Nascimento, que nessa época já tinha se tornado um músico conhecido, começou a gravar músicas de Lô em seus discos, como Para Lennon e McCartney e Alunar, Além dos Anéis de Saturno. Gravou também, em seu disco que antecede Clube da Esquina, chamado simplesmente Milton, sua primeira parceria com Lô, a música que leva o mesmo nome, Clube da Esquina. Foi aí que Bituca fez um convite para Lô que mudaria profundamente sua vida: Gravar um disco com ele, e morar no Rio de Janeiro. Não como mero participante como anteriormente, mas sim para dividi-lo inteiro, compondo-o com o amigo. Milton já tinha tudo planejado na cabeça, o disco já tinha nome, Clube da Esquina, e seria um álbum duplo, em homenagem à esquina, suas histórias e amigos. Foi difícil para Bituca convencer a gravadora Odeon da ideia dele dividir um disco com um desconhecido, mas ele brigou por isso e conseguiu. Para isso teriam de se mudar para o Rio, onde Milton já morava.
Lô ficou muito lisonjeado com o convite, mas achou que não poderia ir porque sua família não deixaria. Na época ele era apenas um garoto, tinha dezoito anos, e o Brasil estava em plena ditadura, eram tempos difíceis e perigosos. Também achou que ficaria deslocado, porque gostava de tocar Beatles, e Milton estava tocando outras coisas com seus parceiros de lá, como jazz, bossa nova, samba. Então como condição pediu para levar Beto Guedes com eles, que era seu parceiro no The Beavers, e assim poderia tocar Beatles com ele. As famílias de Lô e Beto felizmente acabaram por deixá-los ir, após uma inicial resistência da família de Lô.
Rio de Janeiro
Então lá foram os três, rumo ao Rio de Janeiro. Moraram em vários lugares como Jardim Botânico, Leblon, Copacabana e Mar Azul, em Piratininga. Mas foi em Mar Azul que o álbum que mais tarde se tornaria um dos maiores ícone da música brasileira e referência mundial, Clube da Esquina, começou a ganhar forma, evoluiu de seu período embrionário. A casa em que Lô, Bituca e Beto moravam era grande, e se tornou um verdadeiro laboratório. A produção era intensa, e havia uma compulsão mútua em compor. Boa parte das músicas de Clube da Esquina foram feitas ali, um lugar frequentado por muitos músicos e amigos. Nessa casa nasceram músicas como Nuvem Cigana, Um Girassol da Cor de seu Cabelo e Paisagem na Janela, de autoria de Lô, e Cravo e Canela e San Vicente, de Milton.
Sob a riqueza da influência de um universo musical tão diverso, formado por referências que iam sendo trazidas e agregadas por membros de todo o grupo, como jazz, samba, bossa nova, rock, instrumental, erudita, hispânica e folclórica, uma linguagem nova e uma sonoridade original surgiam, diferentes das que a música brasileira já conhecia. Sensibilidade poética aliada a harmonias e arranjos sofisticados fizeram com que o trabalho desses mineiros tivesse uma identidade, uma personalidade inconfundível.
Na gravação de Clube da Esquina compareceram muitos amigos e parceiros de Bituca e Lô, muitos deles contribuíram significativamente para o álbum, como Beto Guedes, Toninho Horta, Márcio Borges, Ronaldo Bastos, Fernando Brant, Wagner Tiso, Nelson Ângelo, Paulo Moura, Alaíde Costa, Robertinho Silva, Luiz Alves, Rubinho Batera, Tavito. O álbum duplo Clube da Esquina foi lançado pela Odeon em 1972, Lô então com dezenove anos. Foi finalizado com vinte e uma músicas e com uma belíssima foto feita na beira da estrada, com dois meninos sentados no chão, Tonho e Cacau, nitidamente muito parecidos com Lô Borges e Milton Nascimento quando crianças. Um feliz clique do fotógrafo e amigo Cafi.
O Disco do Tênis
Após o lançamento de Clube da Esquina a gravadora Odeon gostou tanto do trabalho de Lô que o convidou para gravar um disco solo. Aceito o convite Lô começou a gravar o álbum intitulado simplesmente Lô Borges, que ficou conhecido como ‘o disco do tênis’. Pressionado pela gravadora, por seus prazos apertados e compromissos típicos do mercado fonográfico Lô teve que fazer o disco às pressas. Compunha as músicas pela manhã, escrevia as letras à tarde e gravava à noite. Embora Lô, em sua autocrítica, não tenha ficado muito satisfeito com o resultado, pois gostaria de ter tido mais tempo para se dedicar a ele, o álbum virou um ícone.
A Via Láctea
Foi então que Lô percebeu que não era aquilo o que ele queria. Ele nunca tinha pensado em fazer carreira como músico até aquele momento, coisa que tempos depois Bituca o incentivou. A música para ele era como uma brincadeira, um prazer, seu maior prazer, e não queria que ela se transformasse em uma obrigação, cheia de prazos e pressões, não queria viver como um escravo do mercado. Decidiu então abandoná-lo temporariamente, e ficou seis anos se preparando, se dedicando à sua música. Esse precioso tempo de introspecção foi fundamental para que Lô consolidasse seu trabalho como compositor, e resultou no início de uma nova fase, profissional e pessoalmente mais evoluída e aprofundada, que começou com o álbum A Via Láctea. Mais um convite de Milton Nascimento para Lô, também produzido por ele, Bituca, e considerado tanto por Lô quanto pela crítica como um de seus trabalhos mais elaborados.
Clube da Esquina 2
O álbum Clube da Esquina 2 já foi uma proposta completamente diferente do Clube da Esquina. Lô participou dele com duas músicas, Pão e Água e Ruas da Cidade, e tocando aqui e ali com Beto Guedes. Foi um projeto de Milton Nascimento, do qual participaram vários músicos, incluindo Lô.
Letristas
Os letristas sempre estiveram presentes em sua vida. Márcio Borges, Ronaldo Bastos e Fernando Brant são os que mais fizeram parcerias com Lô, que prefere fazer a música. Lô também fez músicas com Caetano Veloso, Tom Zé, Arnaldo Antunes, Nando Reis, César Mauricio.
Outros Discos…
Durante a gravação de A Via Láctea um trabalho paralelo estava acontecendo, Os Borges, um disco feito pelos irmãos Borges. Mas Lô participou pouco dele pois na mesma época estava em turnê com o A Via Láctea. A ele se seguiram Nuvem Cigana, Sonho Real, Solo, Meu Filme, Feira Moderna, Um Dia e Meio, BHanda, Intimidade, Harmonia, Horizonte Vertical, Lô Borges 2003 – 2013 e o recém-lançado Samuel Rosa & Lô Borges.
As músicas de Lô foram gravadas por inúmeros artistas, além dos amigos do Clube da Esquina, como Elis Regina, Tom Jobim, Elba Ramalho, Ira!, 14 Bis, Skank, Nando Reis, só para citar alguns. Lô Borges felizmente continua produzindo muito e enchendo seus fãs de alegria e prazer com seu talento, sua sensibilidade e suas belíssimas músicas.
Discografia
Site Oficial: www.loborges.com
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Leia o depoimento de Lô Borges para o Museu Clube da Esquina: museuclubedaesquina.org.br/museu/depoimentos/lo-borges/
Fontes:
Site Oficial: www.loborges.com
Blog: www.loborges.com/blog/
Museu Clube da Esquina: www.museuclubedaesquina.org.br
Clube da Esquina, o Filme. Documentário dirigido por Daniel Veloso e Eduardo Zunza, uma co-produção G5 Filmes e Memoratu: www.museuclubedaesquina.org.br/videos/teaser-clube-da-esquina-o-filme
Os Sonhos não Envelhecem, Histórias do Clube da Esquina. Livro de Márcio Borges editado pela Geração Editorial: geracaoeditorial.com.br/os-sonhos-nao-envelhecem-edicao-de-luxo
Fotos: Divulgação